sexta-feira, 29 de julho de 2011

Regras americanas para empresas brasileiras

A maioria das ofertas públicas realizadas por empresas brasileiras nos últimos anos foram estruturadas como ofertas isentas de registro nos Estados Unidos (private placements) direcionadas a determinados investidores americanos, normalmente investidores institucionais qualificados. Todavia, dependendo do numero total de acionistas americanos nessas companhias, a ausência de divulgação de informações periódicas em inglês pode ter como consequência a obrigação de registro de suas ações junto a U.S. Securities and Exchange Commission - SEC. Além disso, ao contrário do que muitos pensam, o fato de todos os acionistas americanos serem investidores institucionais qualificados ou de outra forma se qualificarem para uma oferta isenta de registro nos Estados Unidos na data de realização da oferta pública não afeta em nada tal obrigação de registro no futuro.
De acordo com a Section 12 (g) do U.S. Securities Exchange Act of 1934 (Exchange Act), uma companhia não americana é obrigada a registrar suas ações na SEC caso tal companhia tenha 500 acionistas ou mais, sendo pelo menos 300 residentes nos Estados Unidos, e seja proprietária de ativos cujo valor ultrapasse US$ 10 milhões, exceto se referida companhia puder beneficiar-se da isenção de registro prevista na Rule 12g3-2 (b).
Vale notar que a contagem do número de acionistas americanos para fins da Section 12(g) não se limita aos acionistas diretos da companhia. A SEC exige, por exemplo, que, no caso de ações custodiadas por corretores, bancos ou outros intermediários em benefício de pessoas residentes nos Estados Unidos, tal contagem seja feita com base no número de contas americanas. Assim, um único investidor (americano ou não) nos registros da sociedade poderá representar diversos investidores americanos para fins da Section 12(g). Além disso, ainda que o número de investidores americanos adquirentes de ações em uma oferta pública no Brasil seja pequeno, tal número pode vir a aumentar após a realização da oferta, seja devido a futuras revendas a investidores americanos (inclusive através da BM&FBovespa), seja em virtude do término de restrições a transferência das ações dentro dos Estados Unidos após o decurso dos prazos previstos na Rule 144 do U.S. Securities Act of 1933 (que podem chegar, no máximo, a um ano).
Não obstante o acima exposto, o registro das ações na SEC nos termos da Section 12(g) poderá ser evitado caso as companhias observem a isenção prevista na Rule 12g3-2(b). Essa regra, resumidamente, requer que a companhia disponibilize em seu website traduções em inglês de todas as informações materiais de tal companhia que (i) sejam ou devam ser divulgadas de acordo com as leis brasileiras, (ii) sejam ou devam ser protocoladas e divulgadas ao público na Comissão de Valores Mobiliários ou na BM&FBovespa, e (iii) sejam ou devam ser distribuídas aos detentores de títulos e valores mobiliários da companhia. Além disso, de acordo com a Rule 12g3-2(b), alguns tipos de informações são sempre consideradas materiais, como relatórios anuais e de menor periodicidade (tais como trimestrais) incluindo demonstrações financeiras, press releases e outras informações ou comunicações distribuídas diretamente aos acionistas.
Como parte de suas políticas de relações com investidores, muitas companhias brasileiras acabam divulgando em inglês a maior parte das informações necessárias ao cumprimento dessa isenção de registro. Todavia, algumas companhias podem não estar atendendo à isenção devido ao desconhecimento ou falta de atenção às referidas regras e violando, portanto, a Section 12(g), o que pode resultar em ações judiciais e administrativas movidas pela SEC, indenizações a investidores e até mesmo procedimentos criminais contra os administradores em caso de violações dolosas. Além disso, o dano à reputação das empresas que violam a Section 12(g) pode ser grave para fins de futuras captações no mercado norte-americano. Cumpre, ainda, observar que a disponibilização de informações periódicas nos termos da Rule 12g3-2(b) pode trazer vantagens como a possibilidade de criação de programas Level 1 para aumento da liquidez (no caso de companhias com ações representadas por depositary receipts nos Estados Unidos) e a publicação de cotações por corretores americanos.
Verifica-se, assim, que o cumprimento das regras descritas acima traz diversos benefícios para empresas brasileiras com base acionária americana significativa, além de não representar um ônus material para as mesmas, devendo, portanto, ser considerado como parte essencial de suas políticas de compliance.


Filipe Arenol é advogado sênior do Skadden, Arps, Slate, Meagher & Flom

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