quarta-feira, 11 de abril de 2012

Você está à venda no atual supermercado da internet

Até não muito tempo atrás, havia um produto bem popular chamado software. Era vendido em lojas, em caixas seladas com película plástica. Para comprá-lo, bastava entregar o cartão de crédito ou um punhado de cédulas.
Hoje, há "apps" - pedaços isolados de software que residem na internet ou em seu smartphone. Para "comprar" um app, basta clicar um botão. Às vezes, custa alguns dólares. Mas muitos são de graça, pelo menos em termos monetários. Em geral, o usuário paga de outra maneira. Apps são vias de acesso - e, ao comprar um deles, é grande a probabilidade de que a pessoa esteja dando a seus criadores um dos artigos mais cobiçados na economia moderna: dados pessoais.
Alguns dos aplicativos mais populares no Facebook - joguinhos, testes e serviços de partilha de conteúdo que definem a rede social e a tornam tão atraente - estão coletando montanhas de informações pessoais.
Um exame de cem dos aplicativos mais populares do Facebook feito pelo The Wall Street Journal revelou que alguns buscam obter o endereço de e-mail, a localização e a preferência sexual, entre outros detalhes, não só do usuário do aplicativo, mas também de seus amigos no Facebook. Um serviço do Yahoo prestado via Facebook requer acesso às inclinações políticas e religiosas da pessoa para ser usado. O Skype, serviço popular para chamadas telefônicas via internet, busca fotos e aniversário de usuários e seus amigos no Facebook.
Yahoo e Skype afirmam que buscam essas informações a fim de personalizar os serviços para o usuário e que estão comprometidos em proteger a privacidade. "Dados compartilhados com o Yahoo são cuidadosamente administrados", disse um porta-voz da empresa.
O WSJ também testou seu próprio aplicativo, o "WSJ Social", que busca o e-mail do usuário e informações básicas contidas em seu perfil - e pede permissão para postar uma atualização sempre que a pessoa ler um artigo. Segundo uma porta-voz da publicação, a empresa só pede informações necessárias para que o app funcione.
Essa sede de dados pessoais reflete uma verdade básica sobre o Facebook e, por extensão, sobre a economia da internet de modo geral: o Facebook é um serviço gratuito pelo qual o usuário paga, na prática, suprindo detalhes sobre sua vida, suas amizades, seus interesses e suas atividades. Por sua vez, o Facebook usa essa leva de informações para atrair anunciantes, fabricantes de aplicativos e outros negócios.
Até poucos anos atrás, simplesmente não havia vastos repositórios de dados pessoais como esses, fáceis de acessar. Sua chegada vem provocando um debate profundo sobre a definição da privacidade numa era em que a maioria das pessoas leva consigo, o tempo todo, aparelhos capazes de transmitir informação.
Tirar partido de dados pessoais é um negócio lucrativo. A Facebook Inc. planeja para maio uma abertura de capital que poderia conferir à jovem empresa um valor de mercado de mais de US$ 100 bilhões na bolsa Nasdaq.
No site da Facebook, um aplicativo precisa pedir permissão antes de acessar dados pessoais de um usuário. No entanto, amigos do usuário não são avisados se informações sobre eles estiverem sendo usadas pelo app do amigo. Uma análise de atividades desses apps também sugere que a Facebook às vezes não faz valer suas próprias normas relativas ao sigilo de dados.
Em um comunicado, um porta-voz da Facebook disse: "Estamos focados em ajudar as pessoas a tomar decisões embasadas sobre os apps que optam por usar. Criadores de aplicativos aceitam nossa política ao se cadastrar. Se descobrirmos que um app violou essa política - através de nossos sistemas automatizados, equipes internas de fiscalização ou queixas de usuários -, tomamos providências".
Não é surpresa, obviamente, que a Facebook possa chegar a ter um conhecimento profundo da vida de usuários. É, afinal, uma rede social na qual usuários postam de livre e espontânea vontade seu nome, amigos mais chegados, fotos, preferência sexual ("interessado em homens", "interessado em mulheres"), escolas frequentadas e inúmeros outros detalhes, incluindo o que estão pensando em determinado momento, na forma de "atualizações de status".
Esse tipo de informação é a moeda corrente da economia de dados pessoais. O mercado de US$ 28 bilhões de publicidade na internet é movido, em grande parte, por dados sobre o comportamento de usuários na rede que permitem que anunciantes criem anúncios personalizados.
A "economia de aplicativos", que inclui apps para o Facebook e também smartphones, teria gerado US$ 20 bilhões em receita em 2011 com a venda de downloads, publicidade, "mercadorias virtuais" e outros produtos, segundo estimativas da firma de pesquisa de mercado Rubinson Partners.
Devido ao porte e à base de mais de 800 milhões de usuários, o Facebook está no cerne da economia de dados pessoais. Aplicativos populares podem rapidamente se tornar "virais" e atrair milhões de usuários - mas também sair de cena com igual rapidez. Isso explica por que certos aplicativos buscam faturar com a coleta do máximo possível de dados, na esperança de achar maneiras de lucrar com isso.
Além de coletar dados diretamente da conta de usuários no Facebook, certos aplicativos estão permitindo que firmas de publicidade não autorizadas monitorem usuários - de acordo com dados reunidos pela PrivacyChoice, empresa especializada em serviços ligados à privacidade. Isso poderia ser uma violação das políticas de publicidade no Facebook.
Normas da Facebook proíbem fabricantes de aplicativos de trabalhar com firmas de publicidade que não firmaram um acordo com a Facebook - um acordo que impede que anunciantes coletem informações pessoais. Dados da PrivacyChoice mostram, contudo, que dezenas de apps altamente populares estão usando firmas não autorizadas, sobretudo a Google, a maior empresa de publicidade na internet. Isso significa que usuários de aplicativos podem ser monitorados no uso do app pela Google e outras empresas. A Google afirma que anunciantes que utilizam seu serviço publicitário DoubleClick aceitam cláusulas que proíbem a coleta de qualquer informação que identifique um usuário.
Todo app é obrigado a pedir autorização do usuário para acessar seus dados no Facebook. Mas o modo como pede a permissão explora uma tendência básica do ser humano: a de ignorar um alerta quando este aparece com frequência. A ciência tem até uma palavra para isso: "habituação". A habituação ocorre quando as pessoas se acostumam a simplesmente apertar a opção "sim" quando veem um alerta ou aviso.
"Se a pessoa sempre vê um alerta, mas nada de ruim acontece na média dos casos, o grau de alarme cai" e ela passa a não prestar atenção, mesmo quando é preciso, disse Adrienne Porter Felt, que faz um doutorado em ciência da computação na Universidade da Califórnia e estudou solicitações de acesso a dados pessoais em apps de smartphones.
Estudos também sugerem que as pessoas têm dificuldade para entender longas listas de permissões, sobretudo se os termos forem técnicos. Mas há uma questão maior: ainda que entenda o que está ou não autorizando, a pessoa pode não estar ciente dos fins inesperados que seus dados podem ter no futuro.
Um bom exemplo ocorreu na semana passada, quando um escândalo envolveu um app para iPhone chamado "Girls Around Me" ("Garotas ao Meu Redor"). O app usava informações disponíveis publicamente na rede social Foursquare, baseada em localização geográfica, para permitir que homens localizassem mulheres próximas no mapa e vissem seus dados pessoais e fotos do perfil no Facebook.
Com o Foursquare, um usuário pode usar o celular para informar se está num café, num bar ou onde quer que seja. Foi concebido como um serviço para quem quisesse avisar amigos que pudessem estar nas redondezas. Com o "Girls Around Me", no entanto, era mais fácil para um estranho, digamos, localizar mulheres na área. O app provocou revolta e o Foursquare revogou seu acesso à localização de usuários. Num e-mail enviado ao WSJ, o criador do "Girls Around Me" disse que o aplicativo "dá ao usuário nada mais do que o app do Foursquare possa dar".
O caso sugere que discutir se dados pessoais no Facebook (ou qualquer outro serviço na internet) devem ter caráter "público" ou "privado" pode ser um equívoco. A verdadeira questão é saber como esses dados serão usados.
Helen Nissenbaum, professora especializada em privacidade da Universidade Nova York, disse que o "Girls Around Me" causou indignação por violar normas sociais contra o assédio a mulheres. Se a norma social fosse uma cerca, disse Nissenbaum, "qualquer pessoa ética, ciosa da lei, não iria pular uma cerca". Na ausência de leis ou normas sobre o uso de dados, diz, certas empresas de tecnologia se sentem autorizadas a usar informações de maneiras vistas como sinistras.
Nissenbaum recomenda a criação de "cercas" digitais para regir o uso de dados. Segundo ela, normas para uso de dados devem ser baseadas no contexto. Informações compartilhadas em um determinado contexto - como entre médico e paciente - não devem ser disseminadas de maneira que possa violar o contexto da situação original.
"Essas normas que encaramos como normas de privacidade não são só para o bem do indivíduo", sustenta Nissenbaum. "Manter o sigilo do voto, por exemplo, protege a integridade da democracia".
Enquanto tais leis não aparecem, o mercado de apps segue à toda. Embora aplicativos do Facebook em geral sejam gratuitos, também podem ser grandes negócios - sobretudo jogos que vendem "mercadorias virtuais". A fabricante de software Zynga, criadora de joguinhos populares como "FarmVille" e " CityVille", teve receita de US$ 1,14 bilhão em 2011 (não deu lucro, no entanto). A empresa abriu o capital em dezembro; hoje, seu valor de mercado é de mais de US$ 8 bilhões.
O modelo de privacidade do Facebook para aplicativos é considerado um dos mais avançados, pois o site enumera quase todo tipo de dado solicitado - e dá ao usuário o poder de dizer não quando um aplicativo pede certos dados. Apps para celular em geral não têm política de privacidade e não dão tanta informação e tanto controle sobre o uso de dados pessoais.
Em julho de 2009, o órgão de proteção da privacidade no Canadá, o Office of the Privacy Commissioner, conduziu um inquérito sobre o Facebook e descobriu que o site estava compartilhando um excesso de dados pessoais de usuários com fabricantes de apps sem avisar os usuários.
Hoje, o perfil no Facebook é automaticamente configurado para permitir que apps coletem todos os dados de amigos de um usuário à exceção de preferência sexual, religião e opiniões políticas. Isso significa, por exemplo, que mesmo que um usuário tenha indicado que seu aniversário, sua localização e suas atualizações de status sejam só para amigos, esses amigos podem aceitar um aplicativo que também terá acesso a essas informações.
Em 2010, o Facebook instituiu um novo modelo de alertas para apps. Quando um usuário tenta acessar um app, surge uma janelinha enumerando todo tipo de informação que o aplicativo vai querer.
Amy Vernon, escritora independente e consultora digital no Estado americano de Nova Jersey, disse que antigamente usava mais apps no Facebook, mas que a solicitação de permissões a deixou mais cautelosa. "É comum receber um convite de um amigo para um jogo, clicar no link, ver as permissões e decidir que não tenho tanta curiosidade assim sobre o aplicativo", disse. "Quase sempre digo não".
Mas, mesmo depois da adoção das janelas de permissão, a maioria dos usuários do Facebook ainda continuava sem entender que fim estava sendo dado a seus dados, segundo um estudo de pesquisadores da Universidade da Califórnia, no ano passado. Mais da metade dos entrevistados não sabia dizer que tipo de dado um app usado no estudo podia coletar. E cerca de 40% não entendia que quando autorizado a obter dados pessoais, um aplicativo podia até transferir os dados do Facebook para outro lugar.


 
Fonte: Valor Econômico

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