segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Em busca dos pequenos

Com um discurso emocionado – e totalmente afinado com o governo – a microempresária cearense Isabel Cândido contou, no Palácio do Planalto, diante do olhar embevecido das principais autoridades da República, como abriu um pequeno negócio na periferia de Fortaleza há alguns anos com apenas R$ 250 e hoje tem R$ 25 mil investidos no banco. Contrariando a tradição local, o autor do milagre não foi o Padre Cícero, mas o Banco do Nordeste do Brasil (BNB), com um programa de microcrédito chamado CrediAmigo, criado em 1998. Inspirado em histórias como essa, o governo já está mobilizando os bancos federais para incrementar a concessão de crédito para os pequenos empreendedores. A presidente Dilma Rousseff lançou, na quarta-feira 24, o Crescer, novo programa de microcrédito produtivo orientado do governo. A meta é aumentar a carteira desses empréstimos de R$ 654 milhões este ano para R$ 1,7 bilhão em 2012 e R$ 3 bilhões em 2013, com a concessão de 3,4 milhões de financiamentos nesse período.

“Nosso objetivo é garantir a milhões de pequenos empreendedores, alguns ainda na informalidade, acesso a recursos para investimentos em condições mais adequadas”, disse Dilma no lançamento do programa, por enquanto ainda restrito ao Banco do Brasil, Caixa, BNB e Banco da Amazônia (Basa). “Queremos dar condições para que eles possam expandir seus negócios e gerar riqueza para o Brasil.” Pelas normas do Banco Central (BC), todos os bancos, públicos ou privados, são obrigados a destinar ao microcrédito 2% dos compulsórios sobre depósitos à vista. Quem não quiser emprestar pode deixar o dinheiro parado no BC ou ceder os recursos a uma instituição que queira utilizá-los, opções da maioria dos bancos privados. Pelos dados oficiais, dos R$ 3,15 bilhões disponíveis, um terço dorme nas gavetas do BC e só  R$ 973 milhões vão para o crédito produtivo. O restante financia o consumo.
Isso contraria o princípio do microcrédito, que é o de fomentar pequenos empreendedores por meio de empréstimos baratos e de baixo valor. A intenção do governo é de que todo o dinheiro reservado para o microcrédito passe a circular na economia em investimentos produtivos. Para isso, o novo programa vai oferecer juros mais camaradas que os praticados atualmente. No Crescer, os bancos terão de emprestar a 0,64% ao mês, mas vão receber 1,3% ao mês ou os 16,8% ao ano cobrados hoje pelo BNB, um dos dinheiros mais baratos do sistema bancário. A diferença será subsidiada pelo Tesouro. O governo planeja gastar R$ 50 milhões em 2011, R$ 310 milhões em 2012 e R$ 483 milhões em 2013, com a compensação das taxas de juros. O volume de recursos à disposição do microcrédito não muda. “Queremos gerar oportunidades de ascensão social, e temos certeza de que o microcrédito funciona como um forte fator de ascensão social”, disse Dilma.
 
O novo programa vai exigir que o cliente – pessoa física, microempresa ou empreendedor individual – informe o que vai fazer com o dinheiro. Os recursos podem ser usados para comprar insumos ou equipamentos, treinar mão de obra ou mesmo reforçar o capital de giro, até o limite de R$ 15 mil, dependendo de avaliação de crédito. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, garante que a concessão do empréstimo será simples, apesar das exigências de comprovação. “O tomador não precisa apresentar garantias e não haverá burocracia”, disse Mantega. A expectativa do governo é de que a maior parte dos recursos será usada para capital de giro. Hoje, 92% das operações têm essa finalidade, enquanto apenas 7% são usados para investimentos. Em si, a ideia de conceder crédito em doses homeopáticas para estimular a economia não é nova. Iniciativas parecidas prosperam ao redor do mundo, com maior ou menor grau de intervenção estatal. A mais conhecida é o Grameen Bank, fundado em Bangladesh pelo economista Muhammad Yunus, em 1974. O problema é que esse modelo nunca funcionou direito no Brasil.
O CrediAmigo,  embora longe do sucesso do banco de Yunus, é o modelo mais bem-sucedido: localiza-se em uma região que ainda tem enormes desigualdades sociais e desenvolveu esquemas de crédito e de garantia solidária – um cliente garante o outro – bastante eficazes. Mesmo assim, esses mecanismos sempre esbarraram em entraves legais, em especial as exigências do BC, como a de que o interessado tenha uma conta bancária. Outro problema é que os bancos privados há muito tempo torcem o nariz para essa modalidade de empréstimos. O que lhes desagrada é que o esforço para conceder um microempréstimo é semelhante ao exigido para vender financiamentos muito mais rentáveis. “Microcrédito não dá dinheiro”, resume o diretor de um banco de varejo que não quer aparecer para não ser visto como um chato a estragar a festa no Planalto. O Banco do Brasil, que já destina toda a sua carteira de R$ 1 bilhão de microcrédito ao consumo, com taxa de 0,99% ao mês, vê a transição para o microcrédito produtivo como uma oportunidade para ampliar sua presença entre os clientes de renda mais baixa.
 
“Faz parte da nossa estratégia de inclusão bancária e de fidelização dos clientes que já conquistamos”, diz  Robson Rocha,  vice-presidente de gestão de pessoas e desenvolvimento sustentável. A meta do banco é chegar a 2013 com 1,1 milhão de clientes e R$ 1,4 bilhão emprestados. Ao contrário do que propalam os banqueiros do setor privado, os executivos do Banco do Brasil e da Caixa garantem que, mesmo com juros reduzidos, a operação é rentável. “É possível operar sem ter prejuízo”, diz o presidente da Caixa, Jorge Hereda. “Sabemos da importância social, mas olhamos para esse produto com olhar negocial”, afirma Rocha, do Banco do Brasil. Num primeiro momento, o Crescer foi desenhado apenas com a participação dos bancos públicos. Mas os bancos privados também terão que participar, destinando ao programa pelo menos uma parte dos recursos do microcrédito. A exigência começa em 10%, a partir de janeiro de 2011, e aumenta para 80%, em julho de 2013. “Já estamos conversando com os bancos privados e a expectativa é de que eles entrem também”, diz Gilson Bittencourt, secretário-adjunto do Ministério da Fazenda, responsável pela elaboração do programa.



Cláudia Gradilone

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