sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Muito além da gestão


Quando Jimi Hendrix perguntou em seu primeiro disco em 1967: "Are You Experienced?", provavelmente o guitarrista estava se referindo às experimentações psicodélicas que despontavam naquele momento de grandes transformações socioculturais. O que os executivos buscam hoje em experimentos que vão das artes plásticas à astrofísica não é muito diferente do que o músico propunha. Eles querem entender um mundo em movimento onde a tecnologia, a economia criativa, as redes colaborativas e a nova divisão de forças no planeta geram desafios inusitados para a gestão.
Com o propósito de tirar os executivos da zona de conforto e pensar sobre esses temas e uma gestão contemporânea à brasileira, a Fundação Dom Cabral montou o curso "FDC Experience". Com ele, a instituição segue os passos de escolas de negócios renomadas como Stanford e Harvard que incluíram as artes e ciências humanas no ensino de liderança.
Em quase dois dias, 300 profissionais de vários estados brasileiros, de áreas diversas, que ocupam cargos de gestores em suas companhias, experimentaram na sede da FDC em Nova Lima (MG) situações que aparentemente não têm muito a ver com administração. Eles pintaram, grafitaram, fizeram caleidoscópios, jogaram xadrez, videogame e ouviram palestras de filósofos, físicos e pensadores. Entre um rabisco e uma surpresa, pensaram sobre o modo como podem dirigir melhor suas empresas em um cenário de mudanças constantes.
"É bom poder sair um pouco da pressão do dia a dia. As ideias surgem quando vemos coisas diferentes", diz Rosana Martins, vice-presidente de recursos humanos da Schneider Electric. Ela foi uma das participantes de uma experiência onde todos entravam em uma sala escura, vendados, para discutir legado e a importância das conexões sociais. "Não pensava muito sobre a morte antes daqui."
O objetivo do programa, segundo Roberto Sagot, diretor executivo da FDC, é justamente trabalhar com a subjetividade. "Para fazer gestão hoje não se pode considerar apenas os aspectos cartesianos", explica. As empresas têm hoje várias gerações convivendo sob o mesmo teto, onde pessoas de diferentes culturas atuam no mesmo negócio. "O desafio é muito mais comportamental. É saber trabalhar junto". A parte lúdica do programa, segundo ele, é inspirada em museus e exposições de arte. "Brincar é coisa séria". O professor Ricardo Carvalho ressalta: "Apenas 3% dos insights criativos acontecem no escritório."
A empresária Alayde Garcia, de 68 anos, dona do frigorífico Vitello, veio do Amazonas com a filha para participar do curso. Ela fez grafite virtual e topou todas as propostas do programa. "Quero quebrar preconceitos, me desarmar e conhecer o novo. Ainda me sinto muito disposta a continuar trabalhando", diz. Esse espírito de aventura juntou cabelos brancos e jovens em discussões acaloradas sobre temas diversos como o futuro do mercado editorial, das cidades e até do empreendedorismo social.
A tecnologia, inevitável e desafiadora, foi um assunto recorrente nos debates por preocupar tanto os jovens quanto os mais velhos, ainda que por diferentes razões. "Mais de 40% dos adolescentes americanos poderiam mandar uma mensagem de texto de olhos vendados", afirma Luli Radfahrer, um dos palestrantes. Para os jovens, é fácil perder o controle do tempo diante das inúmeras possibilidades e ferramentas tecnológicas. Os mais experientes, por sua vez, ainda se amedrontam diante da rapidez com que precisam se atualizar. "Digerir o Facebook é como entrar em uma longa estrada sem saída", disse um participante.
Um labirinto mostrava fotos, vídeos e textos sobre a história do Brasil e a evolução da gestão moderna. Nele, obras sem legendas conduziam ou confundiam sensorialmente o participante no trajeto até uma sala para reflexões. Em um único ambiente estavam Andy Warhol, Caetano Veloso, Max Weber, Peter Drucker e Clarice Lispector. "Quando o caminho é sinuoso, precisamos pensar mais para tomar a decisão certa", disse um executivo ao fim do percurso.
A maneira como os brasileiros administram os negócios, com flexibilidade e improviso, é ressaltada em várias plenárias como um exemplo para os dilemas da gestão moderna. Em uma sociedade que se conecta cada vez mais em um emaranhado de redes, a experiência do país na maneira como organizamos as coisas pode ser valiosa. "Conhecemos isso muito bem porque estamos habituados a lidar com a complexidade", diz a filósofa Viviane Mosé. Na conclusão do curso, o moderador afirma que o modelo de gestão está mudando, mas não existe uma fórmula a ser seguida nesse momento. "É preciso levar as interrogações para casa."
Enquanto termina seu segundo quadro, em um espaço reservado à pintura, pouco antes do fim do programa, o consultor Geraldo Pontes, da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemig), diz que ficou feliz ao perceber o otimismo em relação ao papel que o Brasil pode exercer nessa nova força de encarar a gestão. "É o momento de se quebrar paradigmas para acompanhar essas mudanças", afirma. "Acho que é isso que vou dizer para o pessoal do trabalho amanhã."

Fonte: Valor Econômico 

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