Quem já usou a webcam para matar a saudade da família concorda que a
tecnologia encurta espaços e ajuda no contato com quem está longe. Mas a
facilidade de comunicação que a tecnologia permite hoje também é
responsável pelo surgimento de uma nova distância, cada vez mais comum
no mundo corporativo: a entre funcionário e chefe.
Desde o início do ano, quando o trabalho remoto foi reconhecido pela
lei 12.551, o Centro de Estudos de Teletrabalho e Alternativas de
Trabalho Flexível (Cetel), da Business School São Paulo (BSP), estima
que o número de empresas que adotam o teletrabalho aumentou 30%. São
quase 12 milhões de profissionais que fazem ao menos uma parte do
expediente fora do escritório, segundo o coordenador Álvaro Mello. Mas,
mesmo com a recente popularidade, ele diz que os desafios são grandes - e
quase todos estão ligados aos aspectos comportamentais.
"Apesar dos avanços da tecnologia, o gestor ainda tem dificuldade de
exercer a liderança a distância", explica. Segundo Mello, a falta de
contato direto com os colaboradores pode levar o chefe a achar que não
tem mais o controle, o que causa perda de confiança e sinergia com o
resto da equipe. Desse modo, é comum que muitos líderes ainda sintam a
necessidade de um espaço físico para exercerem o poder. Mas os tempos
estão mudando. O número de empresas que não têm sala para os chefes ou
mesa fixa para todos os funcionários, por exemplo, é cada vez maior. "As
empresas estão se organizando para se adaptarem à nova realidade."
Lucyane Rezende, diretora de recursos humanos da Unilever para a
América Latina, trabalha em São Paulo, mas lida diariamente com
profissionais espalhados por toda a região. Manter equipes dispersas
pelo mundo sempre foi uma prática comum na multinacional, mas não é o
único contato que Lucyane tem com o trabalho a distância: há dois anos, a
empresa começou um programa, já adotado por 30% do pessoal elegível,
que formalizou o home office e permite que os profissionais trabalhem
pelo menos um dia da semana de casa. "O trabalho remoto deixou de ser
apenas uma necessidade para se tornar uma opção do colaborador", diz.
Os escritórios da empresa possuem facilidades como a possibilidade de
atender o ramal de qualquer lugar e salas de "telepresence" - ferramenta
que equipa mesas de reunião com telas de vídeo. Lucyane admite, porém,
que a distância traz algumas dificuldades como não ver a pessoa
diariamente e ter de lidar com diferentes culturas. "É preciso traçar um
objetivo comum, ser mais direta e assertiva", explica, ressaltando que a
prática depende da confiança entre os envolvidos. Para preparar o
funcionário, a empresa oferece treinamentos on-line que abordam desde
dicas de como usar e-mail e programas de mensagens instantâneas até
maneiras de aumentar a produtividade longe do escritório.
Veterana na gestão aliada à tecnologia, a Microsoft possui um
treinamento global que inclui aspectos tecnológicos e culturais do
trabalho em equipes espalhadas pelo mundo desde 2003, e que recebe
atualizações frequentes. Todo colaborador que entra na empresa tem um
prazo de 90 dias para realizar o curso, diz a gerente de recursos
humanos Daniela Sicoli.
A empresa também possui um manual que passa por aspectos práticos, como
que ferramenta usar para cada tipo de comunicação, e dicas de etiqueta,
como a melhor maneira de se portar em uma reunião formada por
profissionais presentes na sala e conectados via teleconferência para
que todos tenham seu espaço. Outra orientação é que conversas mais
"sensíveis", como avaliação de desempenho, sejam feitas por vídeo ou ao
vivo. "É importante nunca subestimar a necessidade do encontro
presencial", diz.
As escolas de negócio também estão atentas à necessidade de ensinar os
gestores a administrar equipes remotas. O MBA da Kenan-Flager, escola de
negócio da universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos,
desenvolve um projeto em que os alunos formam times com estudantes de
outras 11 universidades de cidades e países diferentes e realizam
projetos de consultoria com empresas internacionais. Em visita ao
Brasil, onde nove projetos foram realizados com empresas como a GE,
Monsanto e Procter & Gamble, a professora Lynne Gerber explica que
ensinar os alunos a lidar com times virtuais e multiculturais foi uma
das motivações para o programa.
Os estudantes se encontram duas vezes ao longo do período que passam
desenvolvendo o projeto - uma nos Estados Unidos, no início, e a outra
no país da empresa, para apresentar os resultados. No mais, toda a
comunicação é feita com a ajuda de e-mail, mensagem instantânea,
videoconferência e sistemas de armazenamento de arquivos em nuvem. "É
preciso haver um casamento entre saber lidar com a tecnologia e
trabalhar em equipe", afirma.
No Brasil, o curso de graduação da Faculdade FIA de Administração e
Negócios desenvolveu uma parceria com universidades nos Estados Unidos,
Argentina e Estônia para realizar discussões de temas ligados à gestão. O
professor criador do projeto, Alfredo Behrens, diz que a preocupação
foi dar aos alunos uma experiência global. "Os estudantes precisaram se
comportar internacionalmente e lidar com o choque de culturas", diz.
O e-mail, principal ferramenta usada, dá a vantagem aos americanos, que
estão mais acostumados em ser mais objetivos "Já os brasileiros falam
mais obliquamente, dão muita importância à linguagem corporal", conta.
Para ele, o brasileiro ainda precisa aprender melhor a lidar com os
diferentes estilos de comunicação de outros países, e as empresas
deveriam investir mais em desenvolver essas habilidades.
O professor da Kenan-Flager e especialista em gestão de times virtuais,
Arvind Malhotra, considera que se antes essa era uma realidade apenas
de multinacionais, agora a comunicação a distância é essencial até em
empresas novas, que podem possuir fornecedores e clientes espalhados
pelo mundo. "Há cerca de cinco anos esse modelo era uma escolha.
Atualmente, é uma maneira de fazer negócios", explica.
Ele conta que a chave está em desenvolver a confiança a partir das
habilidades dos profissionais e não baseada em aspectos sociais,
tradicionalmente mais associados ao contato físico. Enquanto os chefes
precisam aprender a liderar de uma posição menos autoritária e mais
inclusiva, é fundamental que os integrantes do time também desenvolvam a
capacidade de se autoadministrar, tomar a iniciativa e trabalhar em um
ambiente com poucas limitações. "Esse é um cenário muito novo e
desafiador. Os times virtuais, contudo, podem ser mais produtivos do que
nunca", garante.
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Fonte: Valor Econômico |
segunda-feira, 9 de julho de 2012
Gestores aprendem a lidar com a distância
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